terça-feira, setembro 27, 2005

Dizer:Fazer

"Entre o que vejo e o que digo,
entre o que digo e calo,
entre o que calo e sonho,
entre o que sonho e esqueço,
a poesia.
Desliza
entre sim e não:
diz
o que calo,
cala
o que digo,
sonha o que esqueço.
Não é um dizer:
é um fazer.
É um fazer
que é dizer.
A poesia
diz-se e ouve-se:
é real.
E, mal digo
é real ,
dissipa-se.
Será, assim, mais real?
Ideia palpável,
palavra impalpável:
a poesia
vai e vem
entre o que é
e o que não é.
Tece e
destece reflexos.
A poesia
semeia olhos na página,
semeia palavras nos olhos.
Os olhos falam,
as palavras olham,
os olhares pensam.
Ouvir
os pensamentos,
ver
o que dizemos,
tocar
no corpo da ideia.
Os olhos
fecham-se,
as palavras abrem-se. "
Octávio Paz

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quinta-feira, setembro 22, 2005

Man Ray e o faquir ou a ponta do nariz

photo_man_ray03

Acho este texto delicioso, ora vejam lá se gostam....

"Nariz, consciência sem remorsos, tu me valeste muito na vida… Já meditaste alguma vez no destino do nariz, amado leitor? A explicação do doutor Pangloss é que o nariz foi criado para uso dos óculos, – e tal explicação confesso que até certo tempo me pareceu definitiva; mas veio um dia, em que, estando a ruminar esse e outros pontos obscuros de filosofia, atinei com a única, verdadeira e definitiva explicação.
Com efeito, bastou-me atentar no costume do faquir. Sabe o leitor que o faquir gasta longas horas a olhar para a ponta do nariz, com o fim único de ver a luz celeste. Quando ele finca os olhos na ponta do nariz, perde o sentimento das cousas externas, embeleza-se no invisível, apreende o impalpável, desvincula-se da terra, dissolve-se, eteriza-se. Essa sublimação do ser pela ponta do nariz é o fenómeno mais excelso do espírito, e a faculdade de a obter não pertence ao faquir somente: é universal "


E logo a seguir, e para concluir este brilhante raciocínio dá o exemplo do chapeleiro…


"Um chapeleiro passa por uma loja de chapéus; é a loja de um rival, que a abriu há dois anos; tinha então duas portas, hoje tem quatro; promete ter seis e oito. Nas vidraças ostentam-se os chapéus do rival; pelas portas entram os fregueses do rival; o chapeleiro compara aquela loja com a sua, que é mais antiga e tem duas portas, e aqueles chapéus com os seus, menos buscados, ainda que de igual preço. Mortifica-se naturalmente; mas vai andando, concentrado, com os olhos para baixo ou para a frente, a indagar as causas da prosperidade do outro e do seu próprio atraso, quando ele chapeleiro é muito melhor chapeleiro do que o outro chapeleiro…
Nesse instante é que os olhos de fixam na ponta do nariz.

A conclusão, portanto, é que há duas forças capitais: o amor, que multiplica a espécie, e o nariz, que a subordina ao indivíduo. Procriação, equilíbrio."

Depois de ter estado um instante a olhar a ponta do meu nariz, e com os olhos a doer sem ter conseguido atingir o impalpável, cheguei à conclusão que não quero fazer nenhum comentário. Quero dizer apenas que este senhor é brilhante. E se os senhores que estão lendo este texto não são da mesma opinião é porque nunca olharam para a ponta do vosso nariz, exercício que recomendo vivamente a todos.

O senhor escritor deste magnífico texto é Machado de Assis e podem encontrar o texto completo no capítulo XLIX, intitulado A ponta do nariz, no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas

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terça-feira, setembro 20, 2005

O mundo não se transforma no acto isolado da compra.



O que é que vem substituir a Nike?

Uma marca politicamente correcta que se preocupa com o ambiente, com as condições de trabalho, com a cultura Humana?

Acho muito bem, gosto desta ideia de marcas socialmente comprometidas, mas está-me a parecer que estas novas marcas ecológicas são mais um produto que cresce dentro deste capitalismo, e que vem provar que existe lugar para todos, ideia falsa. E o pior, aquietar os descontentes e revoltados com o sistema capitalista.
Acho mais eficiente a estratégia do “buy nothing day”, este dia sugere-me o seguinte pensamento:

O dinheiro só é importante porque lhe dás importância, experimenta viver sem dinheiro.


Claro que vejo um lado positivo nestas marcas : o desenvolvimento de uma publicidade militante, associando a um produto preocupações que vão muito para além do lucro. Esta publicidade é útil à tomada de consciência dos nossos actos enquanto consumidores.

O mundo não se transforma no acto isolado da compra. Será que estou enganada?

Deixo-vos com o artigo, tirem as vossas conclusões.
Does Media Activism have a future?
http://www.adbusters.org/big_ideas/viewforum.php?f=6

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