domingo, julho 27, 2008

“Sampa” de Caetano Veloso



Sem saber como, ao ouvir esta música, inspirada numa cidade que não conheço, a consciência trouxe à realidade o que sinto, o que estou a viver.

Esta noite alguma coisa aconteceu no meu coração. Vou tentar explicar.

É que eu não entendo o mundo, e como a música diz:

“É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
da dura poesia concreta de tuas esquinas
da deselegância discreta de tuas meninas”.

E apesar de nada entender, alguma coisa acontece no meu coração. O que vai acontecendo é o deslumbramento do caminho percorrido, dos encontros inesperados, das partidas eternas, do desconhecido.

E no meu coração, depois de ter ouvido esta música, ficaram mais claros os automatismos que fui obrigada a aprender, para sobreviver. No meu caso, os automatismos ou a programação que fui construindo, formatou o meu pensamento, para apenas ver o reflexo do meu rosto nos outros.

E volto a agarrar na música para tentar explicar:

“Quando eu te encarei frente a frente
não vi o meu rosto
chamei de mau gosto o que vi
de mau gosto, mau gosto
é que Narciso acha feio o que não é espelho
e à mente apavora
o que ainda não é mesmo velho
nada do que não era antes
quando não somos mutantes”

Sei agora, de forma mais clara, que as pessoas, os lugares e as relações que são reflexo da minha imagem, são mais fáceis de suportar, estão mais próximas e são os lugares do hábito. Nesses lugares, consigo mais facilmente controlar a transformação. O hábito é por isso reconfortante, e é bom adormecer no seu colo. No entanto, estes lugares obrigam à repetição, e por isso é mais difícil crescer (transformar o que somos).

O meu coração disse-me esta noite, que o amor pode ser também um difícil começo. E que o mais fácil é afastar o que não se conhece, continuar a viver com a ideia do sonho feliz distante de outras realidades.

Como a musica vai dizendo:

"E foste um difícil começo
afasto o que não conheço
e quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende de pressa a chamar-te de realidade
porque és o avesso do avesso do avesso do avesso"

Mas o desconhecido é também a realidade, e connosco, é também o avesso do avesso do avesso do avesso. É nesse momento da descoberta, que tudo é o avesso do avesso do avesso do avesso, que podemos nomear (e por isso reconhecer) a realidade.

O meu coração voltou a apaixonar-se, e desta vez, por toda a realidade. Aquela que destrói coisas belas e apaga as estrelas, mas também a dos “poetas de campos e espaços” e “ oficinas de florestas” e “deuses da chuva”.

“Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
da força da grana que ergue e destrói coisas belas
da feia fumaça que sobe apagando as estrelas
eu vejo surgir teus poetas de campos e espaços
tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva”


É possível a unidade com todas estas coisas, pois nós somos todas elas. É a partir desta unidade, que se constroem “Pan-Américas de Áfricas utópicas”. Nesta nova unidade, podemos passear e sentir a realidade.

É claro que a música é sobre São Paulo, e sobre a estranheza de um baiano que não consegue compreender aquela realidade. Mas para mim, esta música foi muito mais, como já perceberam.

Encontrei um sentido, um caminho, para continuar a caminhar. Caminho, que mais claramente tem de ser aberto a todos, abrindo as portas a toda a realidade, ir ao encontro do desconhecido, ao encontro daquele que não é o meu reflexo, mas está nos antípodas. Com uma atenção permanente, para que a velha mente não volte novamente a tomar conta de tudo.

Fica aqui também a letra completa, e a versão que encontrei no YouTube, que é a versão mais próxima do que vivi esta noite.

“Alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruzo a Ipiranga e a Avenida São João
é que quando eu cheguei por aqui, eu nada entendi
da dura poesia concreta de tuas esquinas
da deselegância discreta de tuas meninas

Ainda não havia para mim Rita Lee, a tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João

Quando eu te encarei frente a frente
não vi o meu rosto
chamei de mau gosto o que vi
de mau gosto, mau gosto
é que Narciso acha feio o que não é espelho
e à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
nada do que não era antes quando não somos mutantes.

E foste um difícil começo
afasto o que não conheço
e quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende de pressa a chamar-te de realidade
porque és o avesso do avesso do avesso do avesso.

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
da força da grana, que ergue e destrói coisas belas
da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
eu vejo surgir teus poetas de campos e espaços
tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva.

Pan-Américas de Áfricas utópicas,
túmulo do samba mais possível
novo Quilombo de Zumbi
e os novos baianos, passeiam na tua garoa
e novos baianos te podem curtir numa boa.

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sexta-feira, julho 11, 2008

Interiores com portas












Uma nova série começa agora, feita de de desenhos antigos e desenhos novos.
Será que estou de saída? ou será que estou a chegar?
ainda não sei ...


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