quinta-feira, setembro 22, 2005

Man Ray e o faquir ou a ponta do nariz

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Acho este texto delicioso, ora vejam lá se gostam....

"Nariz, consciência sem remorsos, tu me valeste muito na vida… Já meditaste alguma vez no destino do nariz, amado leitor? A explicação do doutor Pangloss é que o nariz foi criado para uso dos óculos, – e tal explicação confesso que até certo tempo me pareceu definitiva; mas veio um dia, em que, estando a ruminar esse e outros pontos obscuros de filosofia, atinei com a única, verdadeira e definitiva explicação.
Com efeito, bastou-me atentar no costume do faquir. Sabe o leitor que o faquir gasta longas horas a olhar para a ponta do nariz, com o fim único de ver a luz celeste. Quando ele finca os olhos na ponta do nariz, perde o sentimento das cousas externas, embeleza-se no invisível, apreende o impalpável, desvincula-se da terra, dissolve-se, eteriza-se. Essa sublimação do ser pela ponta do nariz é o fenómeno mais excelso do espírito, e a faculdade de a obter não pertence ao faquir somente: é universal "


E logo a seguir, e para concluir este brilhante raciocínio dá o exemplo do chapeleiro…


"Um chapeleiro passa por uma loja de chapéus; é a loja de um rival, que a abriu há dois anos; tinha então duas portas, hoje tem quatro; promete ter seis e oito. Nas vidraças ostentam-se os chapéus do rival; pelas portas entram os fregueses do rival; o chapeleiro compara aquela loja com a sua, que é mais antiga e tem duas portas, e aqueles chapéus com os seus, menos buscados, ainda que de igual preço. Mortifica-se naturalmente; mas vai andando, concentrado, com os olhos para baixo ou para a frente, a indagar as causas da prosperidade do outro e do seu próprio atraso, quando ele chapeleiro é muito melhor chapeleiro do que o outro chapeleiro…
Nesse instante é que os olhos de fixam na ponta do nariz.

A conclusão, portanto, é que há duas forças capitais: o amor, que multiplica a espécie, e o nariz, que a subordina ao indivíduo. Procriação, equilíbrio."

Depois de ter estado um instante a olhar a ponta do meu nariz, e com os olhos a doer sem ter conseguido atingir o impalpável, cheguei à conclusão que não quero fazer nenhum comentário. Quero dizer apenas que este senhor é brilhante. E se os senhores que estão lendo este texto não são da mesma opinião é porque nunca olharam para a ponta do vosso nariz, exercício que recomendo vivamente a todos.

O senhor escritor deste magnífico texto é Machado de Assis e podem encontrar o texto completo no capítulo XLIX, intitulado A ponta do nariz, no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas

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2 Comments:

Blogger O Despachante said...

Eu quero a parte do chapeleiro toda!

Gostei também do post dos beijinhos. :)

quinta-feira, outubro 06, 2005 5:28:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Magnífico — mas ainda não percebi exatamente onde o Aßis quer chegar.

sábado, abril 26, 2008 1:08:00 da manhã  

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