Man Ray e o faquir ou a ponta do nariz

Acho este texto delicioso, ora vejam lá se gostam....
"Nariz, consciência sem remorsos, tu me valeste muito na vida… Já meditaste alguma vez no destino do nariz, amado leitor? A explicação do doutor Pangloss é que o nariz foi criado para uso dos óculos, – e tal explicação confesso que até certo tempo me pareceu definitiva; mas veio um dia, em que, estando a ruminar esse e outros pontos obscuros de filosofia, atinei com a única, verdadeira e definitiva explicação.
Com efeito, bastou-me atentar no costume do faquir. Sabe o leitor que o faquir gasta longas horas a olhar para a ponta do nariz, com o fim único de ver a luz celeste. Quando ele finca os olhos na ponta do nariz, perde o sentimento das cousas externas, embeleza-se no invisível, apreende o impalpável, desvincula-se da terra, dissolve-se, eteriza-se. Essa sublimação do ser pela ponta do nariz é o fenómeno mais excelso do espírito, e a faculdade de a obter não pertence ao faquir somente: é universal "
E logo a seguir, e para concluir este brilhante raciocínio dá o exemplo do chapeleiro…
"Um chapeleiro passa por uma loja de chapéus; é a loja de um rival, que a abriu há dois anos; tinha então duas portas, hoje tem quatro; promete ter seis e oito. Nas vidraças ostentam-se os chapéus do rival; pelas portas entram os fregueses do rival; o chapeleiro compara aquela loja com a sua, que é mais antiga e tem duas portas, e aqueles chapéus com os seus, menos buscados, ainda que de igual preço. Mortifica-se naturalmente; mas vai andando, concentrado, com os olhos para baixo ou para a frente, a indagar as causas da prosperidade do outro e do seu próprio atraso, quando ele chapeleiro é muito melhor chapeleiro do que o outro chapeleiro…
Nesse instante é que os olhos de fixam na ponta do nariz.
A conclusão, portanto, é que há duas forças capitais: o amor, que multiplica a espécie, e o nariz, que a subordina ao indivíduo. Procriação, equilíbrio."
Depois de ter estado um instante a olhar a ponta do meu nariz, e com os olhos a doer sem ter conseguido atingir o impalpável, cheguei à conclusão que não quero fazer nenhum comentário. Quero dizer apenas que este senhor é brilhante. E se os senhores que estão lendo este texto não são da mesma opinião é porque nunca olharam para a ponta do vosso nariz, exercício que recomendo vivamente a todos.
O senhor escritor deste magnífico texto é Machado de Assis e podem encontrar o texto completo no capítulo XLIX, intitulado A ponta do nariz, no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas
2 Comments:
Eu quero a parte do chapeleiro toda!
Gostei também do post dos beijinhos. :)
Magnífico — mas ainda não percebi exatamente onde o Aßis quer chegar.
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