quarta-feira, outubro 05, 2005

Dedico esta narração a todos os que gostam, necessitam e querem beijinhos…

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Psique Recebe o Beijo do Amor.
François Fragonard. 1794.


"Virgília notou a minha preocupação, levantou-me a cabeça, porque eu olhava então para o soalho, e disse-me com certa amargura:
- Você não merece os sacrifícios que lhe faço.
Não lhe disse nada; era ocioso ponderar-lhe que um pouco de desespero e terror daria à nossa situação o sabor cáustico dos primeiros dias; mas se lho dissesse, não é impossível que ela chegasse lenta e artificiosamente até esse pouco de desespero e terror. Não lhe disse nada. Ela batia nervosamente com a ponta do pé no chão; aproximei-me e beijei-a na testa. Virgília recuou, como se fosse um beijo de defunto.


ENTRE A BOCA E A TESTA


Sinto que o leitor estremeceu, – ou devia estremecer.
Naturalmente a última palavra sugeriu-lhe três ou quatro reflexões. Veja bem o quadro: numa casinha da Gamboa, duas pessoas que se amam há muito tempo, uma inclinada para a outra, a dar-lhe um beijo na testa, e a outra a recuar, como se sentisse o contacto de uma boca de cadáver. Há aí, no breve intervalo, entre a boca e a testa, antes do beijo e depois do beijo, há aí largo espaço para muita cousa, – a contração de um ressentimento, – a ruga da desconfiança,
– ou enfim o nariz pálido e sonolento da saciedade…”


Pois continuo no Machado de Assis, ver post anteriores.

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